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A Arte De Ser Mulher



Hoje uma dor cresce em meu peito
Dor que sempre existiu
Passarinho engoliu
E agora quer voar.
Cores Sabores Dores
Escolhi a arte para me vingar
Hoje não quero paz
Hoje eu quero falar
Hoje eu quero andar
Na rua despida
Alma Mente Corpo
Quero andar em meio a chuva
Cai aqui no meu colo
LOUCA TPM
Sangro impura
enquanto ando, formando um cheiro
E que meu cheiro me fortaleça
Em suas narinas cresça
E você sinta o meu suor.
Com a arte, ando em câmera lenta como em um clipe
Numa ilusão de me despertar e me libertar
Com a arte me ensino a ser,
a transparecer, a doer, a mexer, a envolver.
Em um grito sento no asfalto
Carrego meu filho no colo
Onde fui me perder?
Se ao menos eu soubesse diferenciar o que quero ser do que querem que eu seja
Se ao menos eu soubesse o que é ser mulher
O que é ser um ser desvinculado de você
Homem
Me usa Me bate Me taxa Me mede Me rotula Me usa Me abusa Me esconde
Me sussurra, Me leva prum canto, pergunta se eu aguento.
E se não aguentar?
Me embebeda, me convence, me fala de direitos iguais
Me deixa no chão, não olha no meu olho
Me usa Me bate Me molda
Diz que sou sua mulher e mulher sua é de tal jeito, tal medida
É santa É puta É pura
Luz branca que me come
me apaga me faz limpa me faz santa
Branca
Do véu ao vestido
Romântica Virgem Rosinha
Endireitou o cara de balada
Pelas costas, baleada
Traição
Na cama, mulher casada finge orgasmo
Sexo?! Nunca segurou homem nenhum
Amor também não...
Você já foi amada?
Precisa ter amor próprio, hein
Para que tanto amor próprio se no final, odeiam e rasgam minha pele?
Aprenda a me amar você
Aprenda a me ver
Aprenda que eu quero ser muito mais
Aprenda que eu posso e eu vou
Aprenda a me aplaudir
Aprenda a subir comigo.
Desejada Desejo Culpa
Minha arte é ser mulher
Mas que mulher se nunca fui o que quis?
Que mulher se quando me olham não posso ser?
Qual a minha arte que me revela?
Não tem saída.
Qual a arte de não ser mulher vencida?
Qual a arte de ser mulher presa na dor de ser mulher?
Qual a arte que me liberta para ser mulher que respira?
Qual a arte que me dá voz para dizer o que é ser mulher?
Eu não sei,
Eu não sei o que é ser mulher.
Nem mesmo quero deixar de ser
Eu só quero ser a arte que nos faz mulher amada.

-Luísa Monte Real

Me Inundei de Você e Odiei


    Eu te odeio. Eu te odeio porque me sinto menor sem você. Eu te odeio porque não quero que faça sentido não ter você. Eu te odeio porque me sinto impotente. Eu te odeio porque permiti me inundar com seu vazio. Eu te odeio porque mesmo encontrando o nada, eu construi alguma coisa. Eu te odeio porque te carreguei. Eu te odeio porque acredito que a gente escolhe como lidar com a situação e tem dias que eu só sei doer. Eu te odeio porque eu estou cansada. Eu te odeio porque a cada dois passos que eu dou para frente, eu volto um atrás. Eu te odeio porque sinto sua falta. Sinto falta de todos os milhares de filmes e séries que a gente via juntos, e por que raios isso era tão especial pra mim? Sinto falta de compartilhar minha vida com você. Falar toda hora sobre nada e tudo. Te encher o saco e me sentir amada, acolhida. Eu te odeio porque sinto falta de todas essas coisas, mas não acho que você mereça. Não mais. Não hoje. Não depois da forma que me atacou com uma flecha bem na ferida me fazendo cair de uma forma que nem lembrava se caia de baixo ou de cima. Não depois de enxergar que você não tem mais nada a me acrescentar além de dor de cabeça. E eu entro em surto. Porque sinto sua falta, mas se penso em você aqui, comigo agora, só consigo imaginar uma coisa: discussão, decepção, cansaço da sua imaturidade, do seu vazio, da sua alma perdida. É porque na real, eu sinto falta da pessoa que você era antes de me perder. Mas aquela pessoa não volta mais e eu preciso que alguém me diga isso. Aquela pessoa não existe mais. Aquela pessoa está por aí se perdendo e sendo escondida como você sempre fez consigo mesmo. É porque eu não consigo te perdoar em como tudo estava sendo tão leve, no esforço que fiz para que fosse saudável, e você teve que virar esse monstro e me engolir numa dor de ego desesperado.
       E eu odeio que eu tive nojo de você, eu odeio que eu tive desprezo por você. Eu odeio o quanto você foi fraco. Eu odeio o tanto de esforço que você fazia para provar a mim o príncipe que você se tornara, como se eu tivesse que te aplaudir ou dar nota 10 depois de um ensinamento que te dei. Eu odeio que você falou que vai lutar por ela como eu lutei por você, querendo mostrar que vai acertar dessa vez, só que do seu jeito, esse jeito razo bem mais ou menos, porque "queremos coisas diferentes" e você não tem tempo. Eu odeio que você tava tão preocupado com a minha aprovação que nem ao menos percebia que vomitava dentro da minha boca um mar de podridão que descia arranhando e intoxicando tudo. Eu odeio ser seu porto seguro quando nem mais pier eu tenho. Eu odeio seu orgulho que você sabe, não se sustenta comigo e você desaba.
     Meu amor, e você veio cheio de si, e você veio cheio de orgulho pronto para ganhar o troféu. E eu te dei uma rasteira para voltar para realidade e você ainda teve a coragem de desabar em mim?! Eu odeio que você não se calou e não foi embora. Odeio que você se despedaçou, se despiu sem que eu quisesse ver. Eu odeio que você provocou, não aguentou o troco e ainda achou que tinha o direito de derramar seu sangue sobre o meu. E agora eu odeio que no meu sangue escorre o teu e eu não sei mais identificar a dor que é minha ou sua. Eu odeio que a sua dor agora queima toda vez que meu coração bombeia. E eu odeio que as coisas mais bonitas que senti foram por você. Odeio achar que ainda é o mais bonito e com sentido em mim, enquanto parte de mim diz que para você nem é mais e talvez nunca nem foi. E eu racionalmente, me acho tão mais merecedora, mais especial do que você só para fingir que, na verdade, não sinto o oposto, e que não te coloco num encantamento. Não deveria, mas me sinto traída por mim mesma. Mas odeio mais ainda que parte de mim te entende e te respeita. Parte de mim é humilde, te permite e quer ver você crescer, parte de mim te ama como irmã desde sempre e reconhece que te ama, mas que você não é merecedor de meus desejos e de minhas fantasias mais profundas, apesar de ainda sentir e me culpar friamente por isso. E eu odeio como me sinto o pó sem ter alguém que nem se quer faz questão de ter alguma relevância na própria vida. Mas tudo o que eu odeio é porque amo. O que odeio é amar essa coisa masoquista de te gostar. - Luísa Monte Real

Desenlouqueça e Vá

     Você perguntou se você era a pessoa certa e eu respondi que eu era se eu fosse a sua. Você disse que queria me fazer a mulher mais feliz do mundo. Que essa sua vontade era maior do que qualquer coisa e que o medo. Você me chamou para morar com você. Você disse que eu era sua vida. Você disse que me amava, mas amava de verdade. Você disse que não conseguia se afastar de mim por nada nesse mundo. Você disse que comigo era diferente, que eu era perfeita. Você me chamou para viagens. Você me pedia em casamento todos os dias. Você disse que eu era o motivo de não mais acordar mal humorado de manhã. Você disse que eu te fazia feliz. Você disse que sorria ao ouvir minha voz. Você disse que não conseguia mais dormir sem mim. Você disse que não acordava quando eu tinha ataques de tosse no meio da noite. Você pedia para eu te acordar se eu chorasse. Você disse que eu era o tipo de garota pacote completo. Você disse que não me largaria. Você disse que eu ficava linda com o cabelo de qualquer jeito. Você disse que queria pegar minha coberta emprestada para dormir com o meu cheiro. Você disse que eu era bonitinha (fofa no seu dicionário) e muito engraçada. Você disse que me queria. Você disse que eu era a certa. Você disse que eu era a miss universo gostosa. Você disse zilhões de vezes que eu era linda. Você disse que nunca havia sentido igual. Você disse que eu era diferente...
  Você disse e eu sinceramente queria que houvesse alguma maneira de você permanecer aqui. Mas nós dois já entendemos que não dá. Eu pelo menos, já percebi. Então vai, vá de uma vez sem olhar para trás, tá bom? Vá sem medo de bater suas asas e encontrar um novo lar. Vá sem medo de ser feliz de novo. Vá e deixa ser presente em um novo alguém tudo o que me disse e que eu te disse. Vá e me transforma numa fotografia com a moldura que preferir em algum canto de entulho da sua casa. Vá porque você preso a mim prende minhas asas em uma corrente que talvez só eu veja. Sei que quando a corrente solta um pouco eu me sinto liberta, mas ela deixa aquela dorzinha que dá vontade de voltar e não se mexer por ter prendido por muito tempo. Vá, porque se você fica, você não fica por inteiro e eu sou capaz de me engolir para matar minha sede de você. Vá, porque meu sentimento por quem sou com você é grande e me possuo numa vontade de ter um futuro novamente com você. Quem é você afinal, hein?! Quer ir para não ser, mas quer ficar para sentir. Deixa eu te sentir. Te sentir é tão bom. Só mais uma vez. Ou vá logo, pegue o voo mais cedo, corra para a sala de embarque, não perca mais essa chance! Por favor, não me enche de vontade de você porque já não mais posso suportar te superar tantas vezes. Já não posso mais suportar ter que me convencer de que você poderia me dar tão mais... por que não se entrega? Por que desenlouqueceu?! Hein?! Agora talvez seja tarde. Agora se for para você se enlouquecer de volta, vai ter que virar a cabeça, vai ter que me tirar o ar e me dar a certeza de que não tem medo não, que não desenlouquece nunca mais, porque na verdade nunca deixou de ser louco, só covarde. Me suga por inteiro ou vá rapidinho, porque meu amor é anseio e não posso esperar por controle. Me descontrola ou vá embora. Me mata de uma vez ou me deixa viver. Que seu fogo queima e eu entrego o meu a você, mas se seu fogo apaga eu me faço reacender. Só não me apaga com falsos redemoinhos de sua perdição mental. Se encontra e me ganha. Ou se perde de uma vez e eu sumo. Se enlouquece de volta ou deixa-me desenlouquecer. Porque a verdade é que no fundo eu sempre sei que você ainda tem uma chance de me virar as pernas, me colocar de branco e viver uma fantasia nem tão perfeita, mas que a gente sente em imensidão. No fundo, eu sempre estou pronta para voltar a ver o nascer, o pôr do Sol e a Lua contigo. - Luísa Monte Real

Desmelancoliza-me



     As pessoas me olham por três lados: madura e teimosa, louca e divertida, ou frágil e fofa. Hoje eu tenho a certeza de que sou madura e teimosa, louca e divertida, e fofa, mas frágil? Você vai ter que me desculpar e descartar essa opção. Posso ser sentimental, ainda bem afinal sou humana e carrego em mim a arte de querer me expressar como tal. Mas  hoje não tem ninguém que me faça duvidar da minha coragem e do meu amor próprio, não importa o tamanho do erro que eu cometa, só eu sei o que sinto por mim nesse momento, aliás diferente do que muitos pensam, amor próprio para mim nem é necessariamente  se amar o tempo inteiro, nem ser perfeito e se tornar o centro da própria vida. É se machucar mas tomar conta da ferida, ou ainda se ferir mais e mais, testar seus limites, mas se autoconhecer e aceitar que aquilo é você, e que você não precisa se amar por inteiro, mas se ver como merecedor de cuidado próprio. Como todo amor, o amor próprio é construção e sentimento, é algo que não tem regra, você só sente e sabe, ás vezes não sabe, e tem a vida inteira para evoluir, afinal quem para de evoluir é corpo morto e alma vazia. 
     Só eu sei o que é superar minha depressão sozinha sem nem mesmo entender, explicar e nem mesmo preciso desse diagnóstico, na verdade eu só uso essa palavra para você entender mais ou menos do que se trata, porque vamos combinar que está bem banalizado. Recolher cada pedacinho meu com muita força, força que nunca tive, mas que me fiz ter, me reconstruir por inteira e me tornar ainda melhor do que um dia poderia esperar de mim mesma. Quando nada mais fazia sentido, quando não tinha mais luz, quando tudo era cinza e sem energia, tudo em câmera lenta e os dias iguais e intermináveis, a gravidade me puxava e era uma gravidade de tanta tristeza, que quase não era nada. O nada era o que me preenchia. Uma obsessão imensa de se questionar e se prender em sentidos que tinham caído por terra.  Mesmo assim, dia após dia, com muita força você se erguer e lutar por você. Você levantar da cama,  você não chorar, você procurar sentido, você procurar algum sentimento bom, algum sorriso ainda perdido em minha alma.
     Hoje, me agradeço e me orgulho de não ter desistido de mim e ter feito tanto por mim. Hoje entendo que minha teimosia já me trouxe muitas brigas, mas é ela que me sustenta sendo eu. É ela que me dá coragem de não aceitar engolir aquilo que querem que eu engula. É ela que me faz fixar meus sentidos de vida, senão tudo desmorona. É ela que me faz lutar cada dia pela minha subjetividade e meus valores. É ela que me faz ter força para encarar de peito aberto aquilo que eu preciso aprender. É ela que encara a minha dor comigo criando um futuro melhor e acreditando nos meus sonhos. Espero continuar fazendo mais e mais buscando quem eu quero ser quando acordo. Me refazendo, me destruindo um pouco ali e recomeçando um pouco aqui. Hoje, não há dor que não doa sem me doar algo bom em troca. Hoje, não há nada de mal que não me venha com uma lição. Hoje, não há sofrimento que seja inimigo. Hoje, não há melancolia que eu não desmelancolize. Hoje, me olho no espelho e sei o quão forte e corajosa eu sou. Quanta força de vontade por mim tenho e como meu caminho comigo mesma me motiva a continuar na descoberta de oceanos e universos dentro e fora de mim. Hoje, sei que no meu jardim as flores não só não mais viram pó, como tem espaço para todos os cheiros e cores. - Luísa Monte Real 

De Mal a Pior

    

       E hoje é um daqueles dias que me sinto rejeitada. Aqueles dias que eu tenho uma vontade enorme de te mandar mensagem te xingando e dizendo que odeio você. Te perguntar o que que foi que te deu? Gritar que não entendi nada, que nada faz sentido. E te forçar a dizer que na verdade você não gostava de mim coisa alguma. Te gritar que você fez a maior burrice da sua vida, que você é um lixo, que você jogou fora o que você tinha de mais importante e que você nunca vai achar alguém como eu, e que ninguém nunca vai fazer e nem ser metade das coisas que fiz e fui pra você, e, principalmente, por você. Que você é um idiota, ingrato que não tem maturidade o suficiente para agarrar as oportunidades boas que a vida dá. Um daqueles dias que tenho vontade de cuspir em você, e não me importa o quão antiético isso seja, sei que nunca faria isso e somos livres para sentir raiva e não sou uma pessoa ruim por sentir. Ou sou?! Parece que só tento me convencer de que não sou ruim, quando no fundo estou afirmando que sou. 
     Você é um covarde. Quero perguntar se você não se arrepende nem por um segundo das suas escolhas. Sempre disse que se fosse para gente acabar, que acabasse por falta de sentimento, parece que acabou pelo excesso. Como pode uma pessoa tão burra?! Tão cega?! Ah, então o erro sou eu?! Fala que ficar comigo foi ruim, fala que eu te fazia mal, fala se eu era chata, se eu não era calma e compreensiva, fala que eu não te fazia feliz, fala que você tava comigo por pena, fala que eu não era a primeira e a última pessoa que você pensava no dia, fala que a sua melhor risada não era comigo, fala que não era eu que te acalmava nos momentos ruins, fala que você não ficava todo bobo comigo, fala que você não sentia nada, fala que você tem nojo de mim, fala que eu sou feia, burra, maluca e não te somo em nada, fala que você me usou, fala que eu nunca fui nada para você, fala que eu só fui mais uma. Fala, por favor fala, eu te imploro gritando e chorando a tapas no seu peito. Fala de verdade porque só assim eu consigo entender os seus motivos de desistir e me conformar que não foi só um ato de covardia. Por favor, fala porque mesmo você não me falando, é assim que eu me sinto, é assim que eu me vejo. Fala porque aceitar que você foi embora por tudo ter sido uma grande mentira é melhor do que você ter ido embora por medo. Fala porque dói menos quando o xingamento é externo e posso te culpar por gerar e engolir meu próprio veneno.
     Sinto-me tão pequena, sinto que não fui boa o suficiente. E caralho - desculpa o palavreado - eu fui mais do que boa, eu fui bem mais do que eu era capaz de ser, porque eu deixei de ser qualquer coisa por você. Eu fui até muito mais do que você se fazia merecer e você sempre soube e disse isso, mas você nunca tentou me merecer, não importa o quanto eu lutei para isso, você não dava o braço a torcer. E agora vem me dizer que mudou e que está sim um homem melhor?! Eu me comprometi por nós dois, enquanto você só queria o melhor de dois mundos. Eu doei minha alma, meu psicológico e meu físico para te dar a coragem e a maturidade que você não tem e talvez nunca venha a ter. Eu fui a única que acreditou em você quando nem mesmo você acreditava. E você jogou tudo fora, você não valorizou, você me rejeitou, me negou, e eu sei que isso tudo foi reflexo de nada mais do que você fez contigo mesmo. Não importa se você diz que não é nada disso, não importa, porque é assim que eu me sinto, e é assim que você me fez sentir.  É uma dor que eu choro berrando com vontade de rasgar minha blusa num ato de me libertar de mim mesma, como se aquilo fosse me tirar de meu próprio corpo para eu não ter que passar por isso. Desespero. Não quero estar nesse corpo, não quero estar nessa vida. Tenho vergonha de mim e de minha pele. Por que eu sou tão fraca? Por que sempre que me sinto assim quando a causa são homens? Por que eles me destroem? Por que eu deixo eles me destruírem? Por que eu me rejeito tanto quando eles me machucam e eles que erram? Por que eu me sinto tão pequenininha? Por que me sinto tão difícil de ser amada? Por que me culpo tanto? Por que odeio minha pele em uma tentativa de não negar meu amor por você? Vida, me perdoa por tamanha ingratidão, mas tem dias que não posso aguentar essa dor que me corrói e faz de mim menor. Ela é o que eu tenho de mais sombrio e, de algum modo, real dentro de mim. Falha, falta, fracasso. Se existe algum meio de me sentir salva é a indiferença por você, e o amor por mim. E é assim que não me sinto em alguns dias. - Luísa Monte Real

Desaba(fa)ndo

    

     Eu acordei em uma grande respirada, puxando o ar desesperadamente do pulmão, a boca fazendo um barulho de sufocamento, abrindo meus olhos arregalando-os pedindo para enxergar o mundo a minha volta. Até que eu vi só um feixe de luz bem longe mas tinha certeza de que não era o fundo do túnel, definitivamente não era um túnel. Tudo a minha volta era infinito e escuro, objetos difíceis de reconhecer, embaçado. Logo após senti que não sugava o ar, era água, água que me descia doendo e arranhando minhas narinas e minha garganta. Comecei a me debater em um grito desesperado de socorro. Não tive sucesso. Estava fraca. Resolvi fechar os olhos numa tentativa de acordar daquele pesadelo. Depois de uns minutos que pareceram anos de angústia, comecei a perceber que afinal conseguia respirar naquele lugar, em uma respirada funda senti meu pulmão se encher de alívio e comecei a respirar desesperadamente saindo um som de desespero de meus pulmões querendo captar todo o ar do mundo. Ainda sem abrir os olhos, tentava controlar aos poucos minha respiração, e ainda ofegante já começava a ter mais consciência e conseguia voltar a pensar. Pensar. Agora tinha me dado conta de que tinha parado de pensar, talvez Descartes estava certo quando disse "Penso, logo existo", porque naquele momento sem pensamentos, tinha a certeza de minha morte. 
   Comecei a imaginar coisas gostosas e bonitas. Minhas coisas preferidas. Respirar doía de tanta água engolida, queria vomitar. Precisava colocar tudo para fora. Pensar coisas boas não parecia ser o suficiente. Queria sair dali. Talvez um desmaio caia bem naquele momento. Estava tão cansada. Não conseguia sentir mais nada além de medo, pensava em alguém que amava e não sentia amor. Apatia imensa, e isso me dava tanta dor. Sentia-me desumana, sentia-me um caco, um lixo, um pó. Até que resolvi abrir os olhos novamente e ainda estava no mesmo lugar. Entendi que no meio disso tudo, havia aprendido a respirar ali. Sobreviver. Conseguia voltar a ter algum controle no meio daquele desespero, no meio do desconhecido. E aí, percebi que aquela luz que havia visto no começo não estava mais ali. Então, resolvi começar a nadar para tentar encontra-la. No caminho, comecei a encontrar algumas criaturas estranhas, que chegavam perto de meu rosto, criaturas que me deram muito medo, dor no estômago, e me fizeram chorar de pavor pedindo para que aquele pesadelo acabasse, por favor, eu não estava aguentando mais. Eu ia ser derrotada. Já não sentia minhas lágrimas, minhas pernas, não sentia meu corpo, garganta presa e seca, eu só continuava sem saber onde ir, onde chegar. Era tudo tão escuro, tão embaçado, tão confuso, tão sufocante. Até que cheguei em um caminho vazio, sem criaturas nem nada, só água e eu. Nadei por ali até encontrar uma mesinha com caneta e papel. Não sabia se era de alguém, parecia não ter ninguém ali além de mim, eu também não havia mais nada a perder, me aproximei.    
    Sentei-me na cadeirinha, olhei o bloco de papel, a caneta, olhei ao redor e comecei a escrever como gostaria de sair dali como se alguém pudesse ler e me salvar, porque minha voz não saia, só bolhas. Escrevi que queria encontrar minha família, meus amigos. Escrevi como gostaria de ter alguém. Qualquer pessoa. Até mesmo um cachorro. Começava a sentir meus pulmões mais leves. A dor diminuia virando só um desconforto. Voltava a sentir meu corpo. Escrevi como gostaria que fosse o lugar, um campo ou uma praia com o Sol tocando minha pele e me tranquilizando. Um abraço quente, uma mão enchugando minhas lágrimas, um beijo na testa, um colo. Enchi tudo aquilo de poesia. Enchi de belas palavras. Frases inspiradoras. Frases que me enxergavam e me olhavam com carinho. Encaravam seus olhos nos meus, mostrando-me como um espelho quem eu era ou queria ser, o que sentia, o que desejava. Mais tarde, escrevia como os meus textos poderiam ser lidos e queridos. Escrevia tendo em mente que me ajudava, mas queria mais, queria fazer bem para alguém. Eu queria  salvar alguém para acreditar que eu poderia me salvar e sair dali. Eu precisava do outro, eu precisava do toque, eu precisava de alguém para ser alguém, eu precisava ser o  alguém de outro alguém. Então eu escrevia como se fosse para alguém, mas no fundo sabia que era para mim mesma. Ei, vem aqui, é só me seguir, você não está só, você pode sair, abre a porta, toque a campainha, como preferir. Só vem, eu juro, não vai doer. É só se abrir. Deixa eu entrar, deixa eu te achar, deixa eu te tocar, deixa... Só deixa voar. 
     Até que eu comecei a enxergar uma luz em minha mão direita. Conforme o tempo - que eu não tinha ideia de quanto -, eu escrevia e ela se estendia para o meu corpo todo. Era a luz do começo. Era eu. Tudo ali era eu. Descobri que até mesmo as criaturas eram coisas da minha cabeça. Eram parte de mim. Eu me afogava em mim, em minha escuridão mais sombria e dolorosa. Eu me intoxicava quando mergulhei em mim, eu não aceitava e ansiava a saída. Qual é a saída de si mesmo? E aí eu entendi que só existe luz porque existe escuridão. E se eu era a minha própria escuridão, onde que estava minha luz? No mesmo lugar, em mim. Eu sou minha própria luz. E que tudo ao redor era meu e parte de quem eu sou. Eu era minha morte e minha vida. Eu era a minha dor e minha paz. E no meio do desespero eu aprendi a brincar de ser feliz com poesia e brincadeira de atuar criaturas apavorantes para mostrar a mim meus medos e batalhar contra eles. Eu me salvava de mim mesma tentando escrever umas coisinhas bonitas, fazer umas palhaçadas dizendo que quero deixar alguém bem, mas só estou desaba(fa)ndo. - Luísa Monte Real 

Falta

  

       Eu não sei se eu que dou muito sentido às coisas ou os outros que estão deixando de dar. Parece que quanto mais sentido se perde, mais eu dou. Eu não sei se eu valorizo demais as pequenas coisas ou os outros que não veem graça em nada. Eu às vezes também não vejo muita graça. E quanto menos graça, mais graça em outras coisas  tento dar. Eu não sei se as pessoas tiram o significado de fazer sentido ou eu que dou muito sentido ao significado. Eu não sei se eu que coloco intensidade/sentimento demais nas coisas ou os outros que escondem o que sentem. Eu não sei se eu que tento cobrir demais um vazio com sentidos ou eles que fingem não ter um vazio. Eles... Quem são eles se ninguém é igual a ninguém? Será que eu estou tão distante de ser eles ou eu só tento fugir de ser? Fujo porque quero ser diferente, não quero parecer alienada, mas me alieno na minha própria diferença. Quero ser profunda e conhecer minha dor para fingir ter um controle sobre o que sou, quando ainda me conheço tão pouco e havendo um universo interno inteiro em constante formação para explorar. Como me comparar tanto a eles se sei tão pouco? Minha mente tenta focar em mim, mas meus olhos cismam em julgar o próximo numa tentativa de provar que estou no caminho certo. Estou no caminho certo para quem? Como se meu caminho fosse de alguma maneira capaz de ser de outro e como se o caminho do outro fosse capaz de ser meu. Raciocinar o que quer ser é fácil, difícil é admitir onde estamos errando e conseguir consertar o que de primeira parece ser tão automático. A internet me pressiona, a internet me sufoca, a internet de alguma maneira me reflete meus erros, a internet me reflete o que não quero pro mundo. E quem sou eu para querer algo de um mundo que não é meu? Por que não foco no meu próprio? Por que sempre esperar dos outros? Por que sempre me comparar? Por que sempre competir? Por que sempre lutar para não me sentir menor, pior se sou tão pequenininha e quem não é? O que é ser grande se não ser só você mesmo, pequeno? Assim meio sem graça mesmo com graça às vezes dependendo de quem olha. Aquele sentimento de falta que te afoga na angústia do nadar no nada. Vem alguém na cabeça. Mas não é isso, eu sei. A falta nada mais é do que o real. A falta de uma ilusão que dá graça a essa vida que é assim mesmo, bem medíocre. Real que quem pinta e decora somos nós. E quando o cenário cai? Não pinta, nem decora? Falta. - Luísa Monte Real