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Das simples coisas

  Eram mais ou menos onze horas da noite. Eu estava na famosa calçada de Ipanema, esperando meu ônibus passar para voltar para casa, onde minhas irmãs me esperavam dormindo, meus pais acordados e minha cama quentinha. Estava chovendo e de todos os dias, o único em que chovia era o único o qual eu esquecera o guarda-chuva. Várias pessoas estavam no ponto, cada qual consigo e seus respectivos guarda-chuvas. Cada chuva um segundo. E logo, eu estava molhada de minutos. Meus óculos não mais resolviam minha miopia. Ah! Não contente, havia esquecido meu casaco também. Os segundos caiam gelados enquanto o ônibus certo não chegava. De repente, vejo um homem com seu guarda-chuvinha preto, o menor que encontrei ali. Ele deveria ter seus quarenta anos, magro e baixo. Dizia alto e sozinho:
   ----Viado é você! - logo pensei comigo: " esse homem é maluco? Tá falando sozinho? " - Viado a puta que pariu! - e então, meu pensamento foi mais a fundo. Alguém nesse mundo cheio de preconceitos, provavelmente, o tinha insultado naquela noite chuvosa. 
    Até que vi que ele me viu e se assustou, desviei o olhar. Então, ele veio até mim e sorriu um sorriso de lavar a alma, me surpreendendo, colocando-me debaixo de seu guarda-segundos fazendo os segundos pararem, ou melhor, fazendo-me parar de senti-los, e dizia: 
   ----O que você faz aqui nessa chuva? Tão magrinha...
   ----Aí, muito obrigada! - eu agradeci sorrindo - Esqueci meu guarda-chuva. 
   ----E ninguém se ofereceu?! - o homem disse olhando a sua volta - Povo mal educado!
   Então, meu ônibus parava e eu tinha que ir. 
   ----Para onde você está indo? 
   ---- Barra. - eu respondia andando e ele atrás para eu não me molhar mais. 
   ----Ah eu também, mas não pego esse não. 
   ----Ah sim, muito obrigada novamente.
  E ele me sorriu. Fiquei no máximo dez gotas debaixo de seu guarda-segundos. Não me  deixou menos molhada, de fato. Mas seu ato simples somou-me muito mais. Aquela pessoa que normalmente é excluída da sociedade por sua opção sexual, que com toda raiva e revolta que poderia estar naquele momento, preferiu engolir, sorrir e me ajudar com seu mini-guarda-chuva em meio a vários que nem me notaram, seja por qual razão. Um gesto simples, um gesto bobo, que não custava nada, mas que me significou muito. Fazer o bem sem esperar nada em troca. Algumas pessoas veriam como obrigação, mas eu vi como amor, generosidade. Porque eu sou assim mesmo, sou boba mesmo, talvez romântica. Porque eu sou assim mesmo, absorvo lições do mais despercebido ocorrido. Porque eu sou assim mesmo, encantam-me as mais simples coisas. Porque eu sou assim mesmo, sou amor, sou a rosa toda, sou Sol e Lua, sou seca e chuva. Porque eu sou assim, sou todos os momentos que me passam e deixam de passar. Sou, só isso mesmo.